terça-feira, 4 de dezembro de 2012
"Rio das Flores"
"Faltava-lhe tudo isso e o resto, aqueles hábitos que fazem a vida a dois e a que só se dá importância tarde de mais (...). A vida ensinara-lhe que nenhum homem é perfeito, que perfeita é apenas a sua impudente imperfeição. Mas as raparigas de agora pareciam não o saber ou não o querer saber. Tal como ela via as coisas, Diogo fora um excelente filho, era um excelente pai e um excelente marido - sendo certo que homem algum jamais seria o excelente marido com que todas as mulheres ousaram sonhar um dia. Não maltratava a mulher ou os filhos; era educado, delicado e cortês; não fazia dívidas, nem de jogo nem outras; não era frequentador de "espanholas" - ao contrário do que fora o seu pai e era o seu irmão (...).
Amava a casa, a terra e a família, mais do que a própria Amparo podia adivinhar.
Mas ela, Maria da Glória, entendia bem, não só como mãe mas também como mulher. Amparo dera-lhe a sua juventude, a misteriosa beleza morena dos descendentes dos mouros, transmitida de geração em geração ao longo dos séculos (...). E tinha também essa sensualidade cigana, de mulher de ancas estreitas e peito empinado em desafio permanente à luxúria dos olhares masculinos. Aos olhos de qualquer homem, ela era um troféu que muito poucos ousariam abandonar por meses de ausência em terras distantes e desígnios mal explicados. Sim, isso era verdade: o que restava da juventude exuberante de Amparo estava ali a consumir-se na espera de um homem ausente que deveria antes estar a bebê-la todos os dias."
in Rio das Flores de Miguel Sousa Tavares
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário