terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Cada página, uma paixão...


"Agora que os seus dois filhos já estavam a ficar crescidos e a tornar-se quase independentes dela, Amparo sentia metade dos seus dias despidos, feitos de longas horas arrastadas na espera do regresso deles a casa vindos da escola, a meio da tarde. Ia fazer trinta anos em Setembro desse ano, 1937: estava ainda na idade em que o tempo se arrasta, em que aquilo que porventura se espera - às vezes sem se saber bem o quê - parece nunca mais chegar e nada passa subitamente, nada foge, nada se perde, nada é irrepetível. Só depois, como ela aprenderia, viria a fase em que o tempo desliza e, a seguir, a fase em que o tempo desaparece. Mas, por ora, ainda era a sua juventude que corria atrás de si e não o contrário."

in Rio das Flores

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O amor


"Quero dizer, mãe, que para mim as coisas são simples: gosto ou não gosto, amo ou não amo. Se amo uma mulher, amo-a mesmo. Não tenho dúvidas, nem contradições, nem estados de espírito, nem outra vida para viver onde ela não caiba. Para mim, que pouco percebo do assunto  o amor é sobretudo a ausência de perguntas, de dúvidas, de incertezas. É paz, segurança, eternidade. O meu pai nunca teve dúvidas se a amava ou não. Amou-a sempre, à maneira dele, que era a única que sabia. Amou-a uma vez, amou-a para sempre. Podia pôr tudo em causa, mas isso a mãe sabe que ele nunca pôs."

in Rio das Flores de Miguel Sousa Tavares


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O receio de deixar de ser a mais importante


Deve ser o receio, o medo de deixar de ser a pessoa mais importante na vida de um filho que leva uma mãe a proibir, a dificultar, a transtornar a vida do pai, recente ex-marido.
Ceder o controlo sobre os filhos a alguém que os ama como nós os amamos não devia ser um gesto tão difícil, tão angustiante.
As mães devem deixar os pais serem pais desde o início e para sempre. Até porque os pais de hoje são os melhores pais de sempre. Não carregam os filhos no ventre nem lhes dão de mamar, mas mudam as fraldas, dão o biberão e embalam horas a fio embebidos no cheiro dos seus recém-nascidos.
Ao contrário dos pais de antigamente que apenas ganhavam para sustentar a família, eles também o fazem e depois disso, ao fim do dia, mesmo cansados, entram na escola dos filhos, questionam e invadem o seu dia, estudam com eles e dão-lhes banho. Ajudam nas tarefas diárias da esposa, ajudam nas tarefas diárias dos filhos e ajudam-se a si próprios a serem mais felizes.
Ao contrário dos pais de antigamente que não compravam roupa para os filhos e nem sequer os vestiam, que não os acompanhavam nas idas ao pediatra, os pais de hoje entram sozinhos nos consultórios de mochila às costas, fazem perguntas pertinentes sobre o crescimento das crianças e surpreendem todos os que julgavam que essa era uma das muitas tarefas que cabiam apenas às mães. Todos ganham com isso. Ganha o pai, ganha o filho, ganha a mãe e ganham as avós que não são tão solicitadas todas as semanas, não tendo forma de negar nunca um pedido de ajuda, mesmo que "não dê muito jeito".Mesmo que tenham que se ausentar do país, as mães confiam na capacidade dos pais e já não pedem à mãe ou à sogra que se mude lá para casa porque "ele não é capaz".
Porque são melhores pais e mais presentes e porque, finalmente, perceberam porque é que, nós mães, gostamos tanto de ser mães, eles desdobram-se e dedicam-se merecendo, por isso, mesmo aquando do fim da relação, uma oportunidade de continuarem a ser tudo o que sempre foram.
Esse receio, esse medo de algumas mães de deixarem de ser insubstituíveis nem devia existir porque a verdade é que, na maioria dos casos, mãe e pai, são ambos insubstituíveis.
E uma mãe que tem a certeza que não há nada nem ninguém que a substitua no seu papel de pessoa mais importante na vida de um filho, é a melhor mãe do mundo porque tem a certeza de que é a melhor mãe do mundo. Tem a certeza de que o seu amor pelo filho é tão gigante que não há nada mais gigante do que isso. E só por isso, só porque têm certezas, o receio e o medo não ocupam os seus corações e elas serão donas dos corações dos seus filhos, para sempre. De uma forma muito gigante!


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

As crianças devem escrever cartas ao Pai Natal





O Natal é uma época mágica para crianças e até para adultos. Os pais devem, a meu ver, incentivar os mais pequenos a escreverem cartas ao Pai Natal. Além de desenvolverem o prazer da escrita, o gesto estimula a imaginação e permite que os pais conheçam um pouco melhor os seus filhos. 
A escrita da carta ao Pai Natal pode ainda ser um excelente momento para, em conjunto, pais e filhos falarem sobre as dificuldades financeiras da família e os mais pequenos serem sensibilizados para o facto de os presentes não serem o mais importante da época natalícia. Pode ser também o momento ideal para os pais contarem alguns episódios do seu Natal enquanto criança. 
A escrita da carta ao Pai Natal pode ser um momento de partilha de experiências, de muito divertimento e, acima de tudo, de muita magia!!! 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

"Um amuo é uma birra para dentro. Enquanto uma pequena palmada arde uns minutos, um amuo amachuca pela vida fora."


A diferença entre as pessoas corajosas e os medricas é que as primeiras reconhecem os medos e os segundos são, unicamente, destemidos na forma como os iludem. Por outras palavras: todos temos medo. E isso é bom. (..)
Os medos são companheiros mais ou menos frequentes das crianças. Aumentam ou decaem consoante a maneira como os pais não os entendem ou os abrigam. Se os pais os acolhem e, de forma firme, persuadem os filhos a enfrentarem-nos, o semáforo amarelo apaga-se aos poucos. Se os ignoram, tornam-nos um pouco mais alaranjados. Se os almofadam por todos os lados, dão-lhe gás e eles ficam avermelhados. Mas veja-se como se sossega um medo, como exemplo. O medo das trovoadas é natural como a sede. Diante dele, todas as crianças se esgueiram, no meio dos relâmpagos, para a cama dos pais. Ao verem-nos, com o seu sussurrante ressonar, competindo com o ribombeio dos trovões, aninham-se entre eles e adormecem. Se tivesse legendas, uma cena como essa quereria dizer:
- Se os trovões me fizessem mal os meus pais não iriam, logo agora, adormecer em serviço…
Se o medo é como os pontos cardiais, quando são os pais que o promovem tudo se complica um pouco mais. Será razoável que as crianças tenham algum medo dos pais? É. Sobretudo, quando percebem que transgrediram as regras que eles definem. O que as assustará mais: a zanga dos pais ou a sua interminável condescendência? A condescendência que nunca se esgota. E porquê? Porque aquilo que os pais entendem como qualquer coisa de mal, no comportamento dos filhos, os magoa quando isso os assusta ou os aflige. É natural, portanto, que – ao sentirem-se magoados – os pais recorram a alguma dor para dissuadirem as crianças de irem por diante com os seus dislates de força de elite. Como um simples “não” nunca parece chegar, os pais reforçam-no um pouco mais: uma palmada ou um castigo será uma forma de enriquecerem, com um pouco mais de medo o medo que as crianças precisam de ter para estarem mais protegidas de alguns perigos potenciais. Quero dizer: há um “quanto baste” no medo que protege as crianças. Medos de menos estragam-nas. Medos demais fazem-lhes mal.
Devem os pais explicar cada “não”? Estão proibidos! Porquê? Porque exercer a autoridade num clima de “desculpa qualquer coisinha”torna os pais medricas de serem pais e transforma uma família numa… ditadura do proletariado. A melhor das explicações são os bons exemplos dos seus actos de todos os dias. As explicações devem ser a excepção. Jamais a regra.
Devem os pais castigar? Estão proibidos de fazer do castigo uma constante na vida das crianças. Ele será a excepção! Como somos animais de sangue quente (e latinos) sempre que fazemos de conta que ignoramos uma tropelia, a nossa ira acumula créditos que, a pretexto dum episódio irrelevante, faz com que os castigos mais pareçam os lenços que o Luis de Matos descobre numa cartola: “E depois ficas sem a sobremesa, a play station e o computador. E não vais à festa de sábado…” E, passadas algumas horas, tamanha recessão é revista em baixa as vezes que forem necessárias até que tudo volte à “casa da partida”. Quando nem os pais levam a sério um castigo é porque ele não é de fiar…
Os pais estão autorizados a amuar? Estão proibidos. Um amuo é uma birra para dentro. Enquanto uma pequena palmada arde uns minutos, um amuo amachuca pela vida fora.
Depois de as avisarem duas vezes, os pais estão autorizados a “passarem-se” com os filhos. “Passarem-se” será: abrirem-lhes os olhos, darem-lhes um grito ou, excepcionalmente, uma palmada. Por outras palavras os pais deviam promover a “via verde” ou o vermelho vivo. Por isso, estão proibidos de educar em amarelo intermitente. Isto é: estão proibidos de se transformarem nos “chatos oficiais” lá de casa. A zanga na hora é a melhor amiga da autoridade. E a autoridade só se conquista pela sabedoria que se reconhece e com o sentido de justiça que se demonstra. A autoridade baliza o medo. O autoritarismo acarinha o pânico (que é uma forma de ter medo do que mete medo e de quem o protege, ao mesmo tempo). É por isso que o pior dos medos das crianças é o medo (sem quartel) dos pais. Quem são os pais mais amigos dos medos?
Os pais que mais assustam as crianças são aqueles que nunca se zangam. O que as assusta neles é a sua indiferença. Vemo-los, por exemplo, quando se deliciam num restaurante por entre os guinchos duma criança que fazem de Tarzan um indomável de trazer por casa.
Logo a seguir, vêm os pais que têm birras em que partem a loiça e, quando o não fazem, dizem aquilo que nem uma grosa de cacos consegue escaqueirar dentro de nós. A ira dos pais assusta que se farta. E não é de admirar que, por medo, diante dela, os filhos se tornem crianças exemplares.
Mais ou menos a par, vêm os pais que - ora irascíveis, ora pela depressividade que nunca se resolve - são hostis no tom com que lidam com as crianças. Junto deles, o Rezingão, da Branca de Neve, mais parece o Noddy. Os seus filhos, ou se atilam ou disparatam. Ora fazem de “panela de pressão” ora se transtornam por entre uma erupção furiosa. Quem dera que quem os educa nunca esquecesse que o controle é o melhor amigo dos impulsos…
Já os «pais-pirilampo», tão depressa acarinham como, de seguida, violentam. São inconstantes e imprevisíveis. E estonteantes das variações bruscas do humor a que os filhos, por mais que se tentem ajustar, parecem nunca se adequar. Seja o que for que os tenha feito assim, estes pais intimidam pela hostilidade que lhes foge no tom com que lhes falam. São ásperos e agrestes. E magoam. Aos poucos, vão-se tornando mais progenitores e menos pais. E de tão assustadores, fazem com que as crianças ganhem medo de tudo. A começar pelo medo da própria sombra.
Todos nós colocamos algum sofrimento na educação dos nossos filhos. Na verdade, essas breves frustrações funcionam como uma campanha de vacinação. Sempre que as crianças aprendem a conviver com alguns “nãos” aguçam o engenho de os contornarem. Por cada não, é natural que fiquem com uma raiva de estimação, em relação aos pais. Durará, quando muito, meia dúzia de minutos. E vem equipada, um ror de vezes, com um: “não gosto mais de ti”(que, em tradução simultânea, quer dizer: “se gostasses mesmo de mim far-me-ias todas as vontades!”). Será de esperar que, no calor da ira, se insurjam e, atabalhoados, lhes chamem: “estúpidos”? Obviamente que não. Ninguém deseja que uma criança seja um anjo na Terra. Só se espera que, dentro das regras dos pais, elas aprendam a ser insolentes com maneiras.
Se uma criança cresce dominada pelo medo, ora se torna exemplar, entre os adultos e na escola, ora faz da violência que distribui de forma gratuita uma forma de meter medo ao medo. Afinal, quem tem medo mete medo. E quanto maior o medo, mais ele se afronta, violentando.
Todas as crianças são inteligentes e são atentas. São, portanto, um “motor” topíssimo de gama. Sem a autoridade dos pais faltam –lhes os “piscas e a caixa de velocidades. Sem o amor deles o combustível. Sem nada disso, por cada medo que tenham refugiam-se nele e desafiam-no, ao mesmo tempo. E fogem por diante. Como se metessem medo ao medo. Como se quem tem medo, não tendo quem o acolha, comprasse (a torto e a direito) sempre mais um não."

de Eduardo Sá


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"Rio das Flores"


"Faltava-lhe tudo isso e o resto, aqueles hábitos que fazem a vida a dois e a que só se dá importância tarde de mais (...). A vida ensinara-lhe que nenhum homem é perfeito, que perfeita é apenas a sua impudente imperfeição. Mas as raparigas de agora pareciam não o saber ou não o querer saber. Tal como ela via as coisas, Diogo fora um excelente filho, era um excelente pai e um excelente marido - sendo certo que homem  algum jamais seria o excelente marido com que todas as mulheres ousaram sonhar um dia. Não maltratava a mulher ou os filhos; era educado, delicado e cortês; não fazia dívidas, nem de jogo nem outras; não era frequentador de "espanholas" - ao contrário do que fora o seu pai e era o seu irmão (...).
Amava a casa, a terra e a família, mais do que a própria Amparo podia adivinhar.
Mas ela, Maria da Glória, entendia bem, não só como mãe mas também como mulher. Amparo dera-lhe a sua juventude, a misteriosa beleza morena dos descendentes dos mouros, transmitida de geração em geração ao longo dos séculos (...). E tinha também essa sensualidade cigana, de mulher de ancas estreitas e peito empinado em desafio permanente à luxúria dos olhares masculinos. Aos olhos de qualquer homem, ela era um troféu que muito poucos ousariam abandonar por meses de ausência em terras distantes e desígnios mal explicados. Sim, isso era verdade: o que restava da juventude exuberante de Amparo estava ali a consumir-se na espera de um homem ausente que deveria antes estar a bebê-la todos os dias."

in Rio das Flores de Miguel Sousa Tavares